quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

FEOCROMOCITOMA.

O grande mascarado da clínica.  Os pacientes chegam com queixa de sudorese, taquicardia e cefaleia, muito frequentemente apresentam altos níveis de pressão arterial ou uma hipertensão descontrolada. Alguns relatam a sensação de morte, outros dizem que o coração vai sair pela boca. Os indivíduos chegam a conviver até dez anos com essas crises sem ter um diagnóstico preciso. O responsável por esses sintomas pode ser o feocromocitoma Por Vanessa Santana A estimativa é de que um em cada mil pacientes hipertensos tenha feocromocitoma, um tumor endócrino benigno, originário das células cromafi ns, produtoras de catecolaminas e hormônios como a noradrenalina, a adrenalina e a dopamina, envolvidos com a elevação da pressão arterial. José Vianna Júnior, endocrinologista e médico-assistente da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, acredita que o problema é mais comum do que se imagina. "Há um subdiagnóstico do feocromocitoma", afi rma, com base em estudo que vem realizando desde 2008, com mais de 120 pacientes, no Ambulatório de Endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde faz a tese de doutoramento. Ele também cita estudos de necropsia que mostraram a presença de feocromocitoma em 75% dos pacientes com tumores de adrenal, dos quais 55% foram a óbito por causa do problema (Krane NK, 1986, e Sutton et al., 1981). A identificação do feocromocitoma precocemente é essencial para evitar metástases, uma vez que 10% desses tumores podem ser malignos. O diagnóstico precoce de síndromes genéticas relacionadas ao feocromocitoma também é fundamental para a redução das morbidades e mortalidade ligadas às manifestações clínicas do tumor. Ele pode se manifestar em qualquer faixa etária, explica o Dr. Vianna Júnior. "Já atendi desde crianças e adolescentes a idosos de 70 a 80 anos com feocromocitoma", ele diz, acrescentando que a maior parte dos casos, porém, ocorre entre a terceira e a quarta década de vida. Os sinais e os sintomas do tumor estão relacionados aos efeitos cardiovasculares,viscerais e metabólicos causados pelas catecolaminas, mas nem sempre é possível identificar tal correlação entre os sintomas e a liberação desses hormônios por conta de outros fatores, tais como diferenças individuais de sensibilidade dos receptores adrenérgicos; o fenômeno de down regulation dos receptores sob estímulo constante das catecolaminas; a pressão normal em alguns pacientes, ou episódios de hipotensão arterial; a redução da volemia em resposta adaptativa às constantes vasoconstrições, o que leva à queda de pressão mesmo na presença de níveis elevados de catecolaminas. O feocromocitoma ainda pode produzir substâncias vasodilatadoras que somam suas ações às das catecolaminas, mudando a resposta dos vasos e o efeito final sobre a pressão arterial. Além disso, o tumor pode produzir outras substâncias vasoconstritoras como o neuropeptídeo Y, difi cultando assim a correlação do aumento das catecolaminas com a hipertensão. Nesse caso, as aminas séricas podem apresentar níveis normais. Quadro clássico de descarga adrenérgica São essas manifestações clínicas que tornam o feocromocitoma tão difícil de ser diagnosticado. Seu portador apresenta todos os sintomas clássicos de uma descarga adrenérgica, mas as principais queixas são cefaleia, palpitação e sudorese, além da manifestação de hipertensão arterial episódica ou mantida. Assim, paroxismos de hipertensão arterial associados aos sintomas acima citados dão uma pista forte para a investigação do feocromocitoma. "O profissional deve ser muito perspicaz porque os pacientes podem tanto ter um dos sintomas, todos os sintomas ou serem assintomáticos", observa o endocrinologista. É grande a variedade dos sinais e dos sintomas que podem acompanhar as crises. Os mais leves são palidez, náusea, dor abdominal, dispneia, tontura, vômitos, tremores, difi culdade visual, poliúria póscrise,rubor facial, dor na nuca, urticária. Entre os graves, destacam-se convulsão, dor torácica (angina), acidente vascular cerebral hemorrágico, infarto, calafrios, parestesias, dores ósseas e sensação de desastre iminente. As sensações experimentadas pelo paciente durante as crises, que duram em média cinco minutos, podem ser semelhantes a uma crise de pânico e, por isso, muitos acabam diagnosticados equivocadamente como portadores da síndrome de pânico e tratados inadequadamente. As descargas adrenérgicas podem ser desencadea das por pressão sobre o tumor, massagem abdominal, medicamentos (anestésicos, antidepressivos tricíclicos, dexametasona, plasil, contraste radiológico e quimioterápicos),traumas emocionais, micção e defecação. Por causa das manifestações clínicas, os pacientes acabam estigmatizados socialmente e muitos preferem se isolar. Na clínica, há o agravante de serem vistos como problemáticos, comenta Vianna. "Eles passam por vários especialistas sem diagnóstico e, como não há resolução do problema, terminam encaminhados para psicólogos ou psiquiatras e submetidos a tratamentos inadequados, que acirram ainda mais as crises, retardam o diagnóstico correto, favorecendo o aumento dos tumores e da morbimortalidade" (ver quadro Diagnóstico diferencial para exclusão de feocromocitoma, à página 37). Quando pensar em feocromocitoma Todo paciente com feocromocitoma - mesmo sem outros tumores ou história familiar da doença - deve passar por uma investigação para identificação de mutações e diagnóstico das síndromes genéticas, e os pacientes portadores das síndromes genéticas mencionadas devem ser investigados quanto à presença de feocromocitoma. Os familiares de um paciente com feocromocitoma também devem passar pelo rastreamento do tumor, pois O feocromocitoma é um tumor encapsulado, bastante vascularizado, com peso médio de 100 gramas. Seu tamanho pode variar de alguns milímetros a 10 a 20 centímetros. Ele produz predominantemente catecolaminas, podendo fabricar ainda hormônio adrenocorticotrófi co (ACTH), fator natriurético atrial e polipeptídeo vasoativo intestinal (VIP). A secreção de hormônio liberador de corticotrofi na, de fator liberador de hormônio do crescimento, de somatostatina e de peptídeo histidina-metionina indica a origem adrenal do tumor. O caráter maligno da doença depende da presença de metástases,que acometem linfonodos, ossos, pulmões, fígado,cérebro e medula óssea. Entre os fatores prognósticos de malignidade estão o grande volume tumoral, a extensão local da doença no momento da cirurgia, o padrão aneuploide ou tetraploide do DNA e a invasão vascular. No início da doença ocorre hiperplasia medular, difusa ou nodular, da adrenal que não é detectada por meio de screening bioquímico das catecolaminas na urina de 24 horas. A manifestação familiar e esporádica desses tumores, de acordo com sua origem, é descrita a seguir: o risco de manifestação entre familiares é de 25%. O médico José Vianna Júnior recomenda a investigação sobre feocromocitoma sempre que o paciente apresentar paroxismos de pressão, na presença de pelo menos um desses sintomas de cefaleia, palpitação ou sudorese; hipertensão iniciada antes dos 30 anos de idade ou após os 50 anos e pressão descontrolada apesar do uso de mais de três classes de anti-hipertensivo. Também devem ser avaliados para feocromocitoma os casos de hipotensão ortostática, pois 40% dos pacientes com feocromocitoma têm histórico desse problema. Histórico de carcinoma medular de tireoide, hábito marfanoide, neurofibromatose e ganglioneuromatose de submucosa são as outras manifestações que pedem investigação para feocromocitoma. Diagnóstico clínico,bioquímico e topográfico O diagnóstico de feocromocitoma segue estas três etapas de avaliação: clínica, bioquímica e de localização do tumor. O doutor Vianna Júnior adianta que a maioria dos tumores sintomáticos são microfeocromocitomas e a avaliação clínica é soberana no diagnóstico, uma vez que são dificilmente detectados em exames de imagem. Os tumores maiores podem ser assintomáticos, no entanto, e exigir o diagnóstico diferencial para exclusão de feocromocitoma, o que deve ser feito antes da avaliação laboratorial, frisa Vianna Júnior (ver quadro ao lado).A dosagem bioquímica de catecolaminas plasmáticas e urinárias, principalmente noradrenalina e adrenalina, é usada para evidenciar a hipersecreção dessas aminas. A sensibilidade dessas dosagens é maior quando realizada por cromatografia ou radioimunoensaio. Não há método bioquímico isolado, ou produto dosado do feocromocitoma com 100% de detecção do tumor, mas catecolaminas plasmáticas acima de 2.000 pg/ml praticamente fecham o diagnóstico. "A secreção desses tumores é episódica e, frequentemente, as dosagens das aminas são normais, o que num primeiro momento pode dificultar a identificação do feocromocitoma. Daí a importância de valorizar os sintomas descritos pelo paciente e solicitar novas dosagens das catecolaminas, de preferência no momento das crises",alerta o endocrinologista Vianna Júnior. Diagnóstico topográfico A abordagem cirúrgica do feocromocitoma depende dos parâmetros de sua localização e só deve ser feita com uma evidência radiológica do tumor, que pode ser obtida por meio de tomografia computadorizada (TC), com 85% a 95% de acurácia no caso de tumores adrenais de até 1 centímetro. O exame não possibilita a diferenciação entre feocromocitoma e metástases. A ressonância nuclear magnética (RNM) tem capacidade de diferenciar feocromocitoma de adenoma ou carcinoma. O mapeamento adrenal com metaiodobenzilguanidina (MIBG), de estrutura molecular semelhante à noradrenalina e que se concentra nas vesículas de estocagem de catecolaminas, possui 88% de sensibilidade, 100% de especificidade e 94% de acurácia na localização de feocromocitoma de até 0,2 g de peso, de localização adrenal ou extra-adrenal. Na maioria das vezes, o feocromocitoma é um tumor esporádico,mas pode apresentar-se como uma patologia genética, com herança autossômica dominante de alta penetrância, e se manifestar isoladamente ou associado a outras doenças. As causas genéticas incluem as neoplasias endócrinas múltiplas tipo 2 (NEM 2 A e NEM 2B), síndrome de Von Hippel- Lindau (VHL), neurofi bromatose tipo 1 (NF1), síndrome de paraganglioma familiar e feocromocitoma isolado. A tabela a seguir indica quais as síndromes relacionadas ao feocromocitoma, suas manifestações clínicas, a mutação do gene envolvido e o risco de desenvolvimento do tumor Tanto a TC quanto a RNM são exames sensíveis para a detecção de tumores adrenais, mas a RNM é superior para a localização dos tumores extra-adrenais, principalmente os intracardíacos. A especifi cidade da RNM não chega a 100%, mas é mais específi ca que a TC, porque o tumor, geralmente, exibe um brilho intenso nas imagens, decorrente de sua grande vascularização. Além da especifi cidade e da sensibilidade maiores na identifi cação dos tumores extra-adrenais, a RNM é mais vantajosa que a TC para avaliar gestantes. Como não usa contraste, é também mais seguro, em geral, pois não desencadeia as crises no momento do exame, poupando o paciente dos riscos cardiovasculares. O exame de mapeamento adrenal com MIBG fornece dado funcional e anatômico sobre o tumor e é, portanto, um método mais específi co e importante na detecção de tumores multifocais, menores do que 2 centímetros. O mapeamento de corpo inteiro com 131-IMIBG pode facilitar o diagnóstico de feocromocitomas extra-adrenais e de metástases. Por apresentar semelhança estrutural com a noradrenalina, a metaiodobenzilguanidina é captada e concentrada nas vesículas adrenérgicas e o mapeamento após aplicação do composto marcado com iodo 131 revela imagens onde houve captação adrenérgica. Abordagem cirúrgica A ressecção cirúrgica do tumor é o tratamento definitivo,apresentando índices de morbidade e mortalidade de 40% e 2%, respectivamente. As possibilidades de abordagem incluem a lombotomia, a laparotomia transversa, ou por videocirurgia laparoscópica ou retroperitoneoscópica. A lombotomia tem menor morbidade, porém não possibilita a exploração da adrenal contralateral. A laparotomia transversa é indicada nos casos de tumores bilaterais ou em feocromocitoma familiar para exploração intraoperatória do lado contralateral, ou em casos de suspeita de tumor extra-adrenal. Os passos cirúrgicos devem se basear na mínima manipulação tumoral para evitar tempestades adrenérgicas, ligadura precoce da veia adrenal e viabilizar a exploração de todo o local provido de tecido cromafi m, quando o tipo de abordagem permitir. A adrenalectomia profi lática contralateral ao tumor é contraindicada porque apenas um terço dos pacientes com feocromocitoma familiar unilateral desenvolve tumor na adrenal contralateral. "A gente não extrai porque é pior para o paciente entrar em insufi ciência adrenal do que assumir o risco de ter tumor contralateral", explica Vianna Júnior. A recorrência do tumor, seja ele benigno ou maligno, pode ocorrer até o 40o ano do pós-operatório. Por isso, segundo José Vianna Júnior, os pacientes devem ser seguidos por toda a vida. A sobrevida dos indivíduos tratados é de 95% em cinco anos, ou 45% nos casos de tumor maligno. Fontes Bravo EL. Pheochromocytoma: current perspectives in the pathogenesis, diagnosis, and management. Arq Bras Endocrinol Metab. 2004;48(5):746-50. Krane NK. Clinically unsuspected pheochromocytomas. Experience at Henry Ford Hospital and a review of the literature. Arch Intern Med. 1986;146(1):54-7. Pereira MAA, Souza BF, Freire DS, et al. Feocromocitoma. Arq Bras Endocrinol Metab. 2044;48(5):751-75. Sutton MG, Sheps SG, Lie JT. Prevalence of clinically unsuspected pheochromocytoma. Review of a 50-year autopsy series. Mayo Clin Proc. 1981;56(6):354-60.

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