sábado, 26 de janeiro de 2013


A maioria dos sintomas e sinais encontrados em pacientes portadores de feocromocitoma é conseqüência direta dos efeitos cardiovasculares, metabólicos e viscerais das catecolaminas, embora nem sempre seja possível correlacionar o quadro clínico com os níveis destas aminas. Essa falta de correlação foi muito bem demonstrada em trabalho de Bravo e col., no qual os autores observaram pacientes com o mesmo nível de pressão arterial e níveis bastante diferentes de catecolaminas, bem como pacientes com o mesmo nível de catecolaminas e com pressão arterial bastante diferentes, desde normal até muito elevada (15). Vários fatores podem explicar a inexistência dessa relação, que nós esperaríamos ser direta, entre os níveis de catecolaminas circulantes e da pressão arterial. Em primeiro lugar, poderiam haver diferenças individuais na sensibilidade dos vasos periféricos às catecolaminas. Em segundo, sabemos que a liberação constante de catecolaminas leva a uma diminuição da sensibilidade dos receptores adrenérgicos às catecolaminas, fenômeno esse descrito como down regulation, e que poderia explicar a ocorrência de níveis elevados de catecolaminas e pressão arterial normal. Este fenômeno também poderia explicar a hipotensão arterial que pode ocorrer nos pacientes com feocromocitoma. Em terceiro lugar, a vasoconstrição mantida poderia levar a uma resposta adaptativa de diminuição da volemia, que tenderia a baixar a pressão arterial, mesmo frente a níveis elevados de catecolaminas. Embora essa hipovolemia não tenha sido documentada em todos os pacientes portadores de feocromocitoma (16), ela poderia explicar tanto a falta de correlação entre os níveis de catecolaminas e os da pressão arterial, bem como a ocorrência de hipotensão postural. Em quarto lugar, o feocromocitoma poderia produzir substâncias vasodilatadoras e as suas ações se somariam às das catecolaminas, modificando a resposta dos vasos e, portanto, o efeito final sobre a pressão arterial. Os tumores também podem produzir outras substâncias vasoconstritoras, além das catecolaminas, sendo uma delas o neuropeptídeo Y, e isto, também, poderia explicar a falta de correlação entre pressão arterial e o nível de catecolaminas. Finalmente, sabemos que o sistema nervoso simpático contribui para a hipertensão arterial dos pacientes com feocromocitoma, fenômeno esse claramente demonstrado pela resposta de queda de pressão arterial após a administração de agonista a2 de ação central (clonidina), que atua inibindo o tônus simpático. Esta participação ativa do sistema simpático se deve, provavelmente, ao fato de que as catecolaminas liberadas pelo tumor, além de serem metabolizadas, também são estocadas no neurônio pós-ganglionar simpático, como vimos anteriormente. Portanto, qualquer fator que ative o sistema simpático poderá provocar crises hipertensivas importantes sem aumentar proporcionalmente o nível de catecolaminas circulantes, porque a NA liberada na placa efetora tem grande eficácia biológica. Este fenômeno, de ativação do SNS, pode explicar a dissociação existente entre os níveis de catecolaminas circulantes e da pressão arterial e porquê fatores que atuam no sistema nervoso central (hipoglicemia, estresse, anestesia etc.) podem provocar crises de hipertensão arterial em pacientes com feocromocitoma (14).
A apresentação clínica em 74 dos nossos pacientes (81%) foi de síndrome hiperadrenérgica, ou seja, hipertensão arterial associada ou não a outros sintomas dependentes da produção tumoral de catecolaminas. Desses, 74% se apresentava com hipertensão arterial mantida, à qual se somavam crises adrenérgicas, 14% tinha hipertensão mantida sem crises e 12% manifestava paroxismos adrenérgicos, mas com valores de pressão arterial normais nos períodos intercrises. O confronto desses dados clínicos com os da literatura revela apenas uma diferença digna de menção. Se comparados aos de outras casuísticas, os nossos pacientes apresentaram menor freqüência de hipertensão arterial paroxística com normotensão entre as crises, e também menor freqüência de elevação mantida da pressão arterial sem crises adrenérgicas (17,18). Um dado clínico característico do feocromocitoma é a labilidade da hipertensão arterial, mesmo nos pacientes portadores de hipertensão mantida.
Os principais sintomas durante as crise foram palpitação (77%), cefaléia (73%) e sudorese (70%). Todos os nossos pacientes com crises adrenérgicas apresentavam um ou mais desses sintomas: 41% tinha os três, 31% dois deles e 28% um. Portanto, a ocorrência de paroxismos de hipertensão arterial associados à sudorese, cefaléia e/ou palpitação é um dado bastante sugestivo de feocromocitoma e, portanto, tem valor preditivo positivo para este diagnóstico. Outros sintomas e/ou sinais, em ordem decrescente de freqüência, foram palidez, náusea, dor abdominal, dispnéia, tontura, vômitos, tremores, dor torácica (tipo angina), embaçamento visual, poliúria pós-crise, convulsão, rubor facial, dor nucal, urticária, acidente vascular cerebral hemorrágico, flushing, calafrios e dor óssea (figura 2). Sintomas como nervosismo e ansiedade foram freqüentemente relatados durante os paroxismos. Um dos pacientes se apresentou com quadro de acidente vascular cerebral hemorrágico e exemplificou a grande morbi-mortalidade dos paroxismos adrenérgicos. É interessante notar que tivemos rubor facial em um caso e reação urticariforme em outro. As reações do tipo flushing (vermelhidão com afogueamento) são consideradas raras na presença de feocromocitoma, sendo que, na maioria das vezes, o que ocorre é palidez e, ocasionalmente, cianose, decorrentes da vasoconstrição periférica. Entretanto, em algumas circunstâncias, pode haver aumento de fluxo sangüíneo em pele devido à liberação de substâncias vasodilatadoras (tipo histamina) pelo tumor ou à vasodilatação reativa que se segue à vasoconstrição prévia (19,20). Além dessa sintomatologia, obstipação intestinal e perda de peso foram dados freqüentemente relatados na história clínica. Os paroxismos adrenérgicos ocorreram com uma freqüência variável, de esporádicos a várias vezes por dia; a duração de cada episódio também variou de minutos a horas, sendo, em geral, menor que 15 minutos. Essas crises podem ser desencadeadas por inúmeros fatores como palpação abdominal, aumento da pressão abdominal durante evacuação, micção (nos feocromocitomas vesicais), uso de drogas (metoclopramida, quimioterápicos, glucagon) e problemas emocionais. Embora não tenha sido possível a identificação de um fator desencadeante na maioria dos nossos pacientes, em alguns deles as crises foram, claramente, desencadeadas por problemas emocionais. Em um paciente portador de feocromocitoma vesical, os paroxismos eram provocados pela micção, e em outro com feocromocitoma associado a linfoma, crises adrenérgicas graves foram desencadeadas durante a quimioterapia.


Os outros 17 pacientes (19%) não apresentavam síndrome hiperadrenérgica, e nestes, o diagnóstico de feocromocitoma foi feito durante os seguintes procedimentos: rastreamento de síndromes genéticas familiares (5 pacientes), investigação de incidentaloma adrenal (5 pacientes), investigação de síndrome de Cushing (2 pacientes), rastreamento de metástases adrenais (2 pacientes), investigação de tumor abdominal e emagrecimento (1 paciente), investigação de inapetência e emagrecimento (1 paciente) e investigação de nódulo cervical, que se revelou feocromocitoma (1 paciente).
Do ponto de vista de exame físico, além da hipertensão arterial e dos sinais presentes nas crises adrenérgicas, observou-se hipotensão arterial postural em 39% dos pacientes nos quais esse dado foi pesquisado. As explicações para a ocorrência deste fenômeno são: a) diminuição da volemia decorrente da vasoconstrição mantida e da sudorese persistente; b) diminuição da sensibilidade e do número dos receptores adrenérgicos devido à produção elevada de catecolaminas (dessensibilização adrenérgica); c) produção de substâncias vasodilatadoras; e d) presença de falsos transmissores. Como já foi referido, praticamente todos os nossos pacientes eram hipertensos, mesmo aqueles com hipotensão postural importante. Apenas 3 pacientes apresentavam paroxismos adrenérgicos com pressão arterial diastólica normal ou diminuída; essa condição tem sido descrita nos raros tumores que produzem apenas ou predominantemente adrenalina (21,22). Apenas 2 pacientes apresentavam sinais de insuficiência cardíaca congestiva e cardiomegalia ao exame radiológico. Entretanto, anormalidades eletrocardiográficas, como alterações da repolarização e sobrecarga ventricular esquerda ocorreram, com freqüência, nos nossos pacientes. O comprometimento cardíaco no feocromocitoma se deve ao aumento da pós-carga (miocardiopatia hipertensiva), à injúria miocárdia devido ao efeito lesivo direto das catecolaminas na musculatura cardíaca e à isquemia decorrente da vasoconstrição. Os dados da literatura mostram que 30% dos pacientes com feocromocitoma apresentam miocardite, que se manifesta por arritmias, insuficiência cardíaca ou alterações eletrocardiográficas inespecíficas e, na maioria das vezes, assintomáticas (23). Dois dos nossos pacientes apresentavam massa tumoral palpável no abdome e ambos eram portadores de feocromocitoma maligno.O exame do fundo de olho revelou anormalidades (aumento do reflexo dorsal, estreitamento arteriolar etc.) em 55% dos pacientes nos quais esse exame foi realizado; apenas um paciente, cujo quadro clínico era de acidente vascular cerebral hemorrágico, apresentava edema de papila bilateral. Um sinal, referido com relativa freqüência na literatura e que não foi observado nos nossos pacientes, é a presença de febre; esse sinal merece destaque porque pode ser acompanhado de neutrofilia, também decorrente da produção excessiva de catecolaminas, principalmente adrenalina, e, nesses casos, a hipótese de infecção é quase sempre aventada desviando-se a atenção do diagnóstico de feocromocitoma (24-26).
Como já foi discutido, os feocromocitomas podem produzir outros peptídeos e aminas, incluindo somatostatina, calcitonina, vasopressina, ACTH, histamina e serotonina, dentre outras (27-29). Embora algumas dessas substâncias possam modular ou mesmo neutralizar o efeito das catecolaminas, a sua produção, em geral, não tem tradução clínica, revelando-se apenas em estudos imuno-histoquímicos do tumor. Por outro lado, a produção dessas substâncias pode predominar na determinação do quadro clínico, introduzindo um sinal ou sintoma não muito usual. Exemplos disso são feocromocitomas produtores de outras aminas vasoativas que provocam quadros do tipo alérgico e tendência à hipotensão postural, de ACTH que leva à síndrome de Cushing, de fatores eritropoiéticos com conseqüente policitemia e de PTH com hipercalcemia (30-33). Quatro dos nossos pacientes apresentaram quadro clínico de síndrome de Cushing; dois deles eram portadores de tumores produtores de catecolaminas e ACTH e dois tinham tumores produtores apenas de ACTH.
É importante lembrar a associação existente, embora ainda não totalmente explicada, entre feocromocitoma e calculose biliar; esse diagnóstico deve ser feito preferencialmente antes da retirada do tumor, já que a correção dos dois problemas pode ser realizada no mesmo tempo cirúrgico. Dos nossos 91 pacientes, 8 (9%) apresentavam calculose biliar.
Tivemos 3 pacientes com feocromocitoma unilateral e adenoma do cortex adrenal contralateral. Em um dos pacientes, o tumor cortical era produtor de andrógenos, e nos outros dois o tumor não era funcionante. Associações desse tipo, embora já tenham sido relatadas na literatura, são raramente descritas (34-36).


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